Pouco antes de começar as gravações de Eles não usam black-tie, Leon Hirszman se depara com o que viria a ser um momento crucial da história da política brasileira, a greve dos metalúrgicos na região do ABC paulista. Munido apenas de uma câmera 16mm e uma equipe de produção reduzida, o cineasta registra as assembléias e acompanha os movimentos de diálogos, repressões policiais e condições de vida de uma população que não tinha nada além de jornadas de trabalhos exaustivas.
Desde a abertura já sentimos um soco no estômago, não por cenas fortes e fora da realidade, mas sim pelas indicações que a obra só foi finalizada em 1990 porque teve apoio do saudoso Ministério da Cultura - extinto em 2 de janeiro de 2019 - e que a Cinemateca Brasileira - a mesma que teve parte do acervo destruído devido a um incêndio em 2021 - restaurou e pós-produziu o material filmado.
“Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la” - Bertolt Brecht
Acompanhamos o Brasil de 1979 que assiste a grande demonstração de força do movimento sindical. A referida greve preocupou os militares e empresários que eram coniventes com um modo de governança cujo legado foi alta inflação e poucos direitos sociais.
Os trabalhadores pautavam melhores condições de trabalho e, principalmente, um aumento de 70% do salário em um contexto em que os preços praticados devoravam o poder de compra da população. O empresariado justificava suas ações através de discursos técnicos e falas demagógicas que nunca contemplavam satisfatoriamente as demandas apresentadas, buscando, ao mesmo tempo, suprimir os líderes e desarticular os sindicatos.
De um lado, sucessivas tentativas de desmobilizar o movimento, do outro, um jovem Luís Inácio Lula da Silva que conduz e inspira 150 mil trabalhadores. Passados quase quarenta anos dos acontecimentos, nos deparamos com problemas, discursos e contextos situacionais parecidos.
Um dos vários momentos emblemáticos dentro dos 85 minutos da obra, é a entrevista concedida pelo diretor de uma das fábricas, no qual ele diz que sempre estará disposto a dialogar com o trabalhador em prol de seu bem estar, coisa que não seria possível em um país “comunista”. Em seguida, o mesmo dirigente mostra à equipe a mansão em que vive e aponta as favelas nas quais vivem seus empregados.
O maior trunfo de ABC da Greve é mostrar os acontecimentos não sob o ponto de vista empresarial ou do estado, mas sim sob a ótica de quem fazia o movimento. Essa visão na qual assistimos da base tentando enxergar o topo da pirâmide social faz com que estejamos, também, no meio daquela multidão e entendendo os motivos que revoltam os metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Portanto, é mais que um longa-metragem documental, mas sim um momento importante da história política brasileira que nos faz refletir sobre o presente através do passado.
Sinopse:
O documentário acompanha a efervescência do movimento sindical no ABC paulista no final dos anos setenta, que se mobilizaram para realizar as primeiras greves no Brasil desde 1968. Filmado em 16mm, o filme traz registros dos operários metalúrgicos das grandes fábricas automobilísticas, multinacionais, locadas na região na luta por melhores salários e melhores condições de vida, tornando-se um registro essencial daquele movimento popular que precedeu a anistia política e a redemocratização do país.
Direção: Leon Hirszman
Disponível em: Youtube, PrimeVideo, Looke
Por: Hugo Salvador