Às vésperas da eleição mais importante da história do país, onde uma polarização entre os que querem o direito de matar e os que querem o direito de viver se acirra, é de extrema importância trazer, nesses últimos instantes decisivos para o futuro do Brasil, um apanhado de informações sobre a terrível tragédia vivida pela grande maioria dos brasileiros nos últimos três anos e nove meses. O documentário “Quebrando Mitos - a frágil e catastrófica masculinidade de Bolsonaro”, desempenha esse papel com grandiosa maestria e sensibilidade.
O filme, produzido e dirigido pelo cineasta Fernando Grostein Andrade e seu namorado Fernando Siqueira, realizado com zero emissão de carbono, aborda a masculinidade tóxica, ou melhor, a masculinidade catastrófica de Bolsonaro e da cultura brasileira como uma chaga aniquiladora das potencialidades do país e de seu povo. O documentário lançado há poucas semanas no canal de Youtube, Meteoro Brasil, importante canal progressista no país, já acumula mais de 800 mil visualizações e certamente será um dos filmes brasileiros mais vistos em 2022.
O diretor também é conhecido pela realização do documentário “Quebrando o Tabu”, que trata da sangrenta e ineficiente guerra às drogas, filme que alavancou sua carreira como cineasta e ativista e que gerou a maior comunidade progressista do país, que leva o mesmo nome do documentário. Também é por conta de “Quebrando o Tabu”, que Fernando sofreu ameaças de violência e até de morte.
Pertencente à comunidade LBTQIA+, Fernando Grostein Andrade sentiu a necessidade de colocar no filme a sua história de vida pessoal, usando a sua existência como um contraponto à violência de Bolsonaro, tendo o filme dois pólos: um escuro, do fascismo, e outro límpido, da resistência e da delicadeza.
Narrado em primeira pessoa pelo diretor, que brinca com o fato de a maioria dos documentários serem narrados por uma voz máscula e grave, Fernando conta inicialmente sobre sua infância e o fato de estar sempre rodeado pelo machismo e objetificação da mulher, pois era filho de um editor da revista Playboy. Tal vivência forçava-o a incorporar atitudes machistas e homofóbicas durante a sua adolescência, as quais o fizeram tão mal a ponto de pensar em suicidio. A história de vida de Fernando é a história da construção e desconstrução de um típico macho brasileiro.
Outra base para o filme é a história da vida de Jair Bolsonaro, que nasceu e foi criado no interior de SP, na cidade de Eldorado, cercada de quilombos e áreas de proteção ambiental, palco de guerrilhas entre Lamarca e o Exército Brasileiro durante a Ditadura Militar, numa época de contexto da Guerra Fria e da guerra ao comunismo, tudo isso ajuda o espectador a entender a conturbada visão de mundo do presidente.
O filme vai traçando paralelos entre a vida de Bolsonaro e a vida do diretor, a vida do opressor e a do oprimido. Todavia, o foco principal da narrativa é a hipermasculinidade como manjedoura de grande parte das mazelas sociais históricas do país, que de 2018 para cá foram amplificadas, como o aumento abrupto da violência e do ódio em seus vários gêneros, a devastação ambiental e o genocídio dos povos indígenas, o fortalecimento das milicias e o seu uso como poder político, o aumento do número de pessoas armadas. Entretanto, muito além disso, traz a hipermasculinidade como uma cultura criadora de relações catastróficas no Brasil e no Mundo, especialmente na política e nas relações cotidianas.
“Com o privilégio vem a responsabilidade”, a frase é dita por Fernando Grostein em uma parte de seu filme ao abordar o fato de ele e seu namorado poderem se auto exilarem nos Estados Unidos durante o governo Bolsonaro. O diretor utilizou-se desse privilégio com responsabilidade para criar o documentário, que segundo ele foi um processo estarrecedor, principalmente na fase de montagem, que durou dois anos e custou muito de sua saúde mental. Para a sua sorte e salvação, seu namorado Fernando Siqueira assumiu o processo e trouxe a leveza que o filme precisava. O exemplo das atitudes do diretor traz esperança sobre uma pequena parte da elite que tem consciência de seu privilégio e de seu dever para com a população brasileira.
O documentário “Quebrando Mitos” é por fim um ato político e de resistência ao facismo e à masculinidade catastrófica, sua divulgação e acesso pode mudar mentalidades e ações futuras, propiciando um futuro melhor para todes. “Armas são usadas para impor poder, mas forças desarmadas são mais fortes que forças armadas, porque ideias são à prova de balas” e “a luta é sobre ‘nós’ e não ‘eu’, não é sobre a apatia, é sobre a empatia”.
Por Pedro Silva Galvan.